Gerenciamento de riscos na prática da Canoa Polinésia – Já faz algum tempo que o ser humano sente necessidade de retomar uma vida mais próxima à natureza. Um afastamento entre o homem e o ambiente natural ocorreu ao longo de muitos séculos, devido à constituição da sociedade moderna em torno de grandes centros urbanos. Por isso, há algumas décadas, a reaproximação com a natureza vem crescendo significativamente e uma das maneiras escolhidas para isso foi praticar as atividades físicas e os esportes em locais naturais, como: cachoeira, caverna, floresta, mar, montanha, rio, dentre outros.
Os esportes praticados em ambientes abertos e que interagem com a natureza, tais como: trekking, escalada, mountain bike, paraquedismo, canoagem, etc. receberam diferentes denominações conforme se tornavam mais conhecidos e difundidos. Dentre estas, podemos listar: ‘esportes radicais’, ‘esportes de aventura’ e ‘esportes na natureza’.
A primeira delas é bastante contraditória porque, embora ‘radical’ seja relativo à ‘raiz’ e ao que é ‘natural’, este adjetivo também é empregado para determinar ações ou situações relacionadas com imprevisibilidade, risco sem controle e extremismo. Por isso, as áreas que englobam as atividades realizadas na natureza (lazer, saúde e esporte) preferiram não usar este termo para ampliar a utilização dos dois últimos, adotando o termo ‘Atividades Físicas de Aventura na Natureza’ (AFANs), pois, embora existam adversidades naturais que acarretem em riscos ao praticante, há diversas maneiras de se amenizar e/ou evitar acidentes.
Dentre as principais diferenças entre os esportes indoor (aqueles praticados em ginásios, quadras ou campos, cuja interferência da natureza é quase nula) e os esportes na natureza podemos dizer que a influência do ambiente na realização da prática é a maior delas. O praticante de atividades feitas ao ar livre depende 100% das condições que a natureza lhe dá de realizar ou não o esporte e também pode modificar o que acontece durante a atividade cada vez que ela é realizada. Como assim? Um grupo de pessoas pode remar por dez dias consecutivos na mesma OC6, saindo e retornando do mesmo ponto de uma praia e passando pelo mesmo trajeto, sempre no mesmo horário… certamente cada dia haverá pelo menos uma diferença em relação ao dia anterior: a maré pode estar mais alta ou mais baixa, as ondas com mais ou menos energia, o sol mais ou menos intenso, o vento soprando forte ou tão fraco que não se sente e daí em diante.
A canoa polinésia é uma atividade física/esportiva na natureza e, por isso, assim como todas as demais deste gênero requer um planejamento mais complexo do que as indoor porque nessas práticas, segundo Munhoz (2006, p; 197), “um mau planejamento pode custar uma vida” [sic.]. Então, antes de sair para remar é necessário ter conhecimento do maior número de situações que podem ocorrer durante o passeio, aula ou treino para que seja possível gerenciar os riscos.
Primeiramente, temos que compreender que há três componentes envolvidas na prática da canoa polinésia:
1) Praticante (sob os aspectos físico, técnico, cognitivo e emocional);
2) Equipamentos (canoa, implementos e equipamentos de proteção individual);
3) Ambiente da prática (mar, rio, lagoa, represa, outros. Praia, centro urbano, cidade interiorana, etc.).
Gerenciar os riscos significa primeiramente reconhecer sua existência e na sequência, conhecer as componentes envolvidas na atividade, calcular as variáveis e controlar as situações, sendo que: a) calcular significa mensurar com base em padrões, dados e estatísticas e b) controlar é o mesmo que ter domínio sobre algo, assumir o curso a ser tomado. Por fim, faz parte do gerenciamento de riscos aceitar que algumas situações não podem ser modificadas ou ignoradas e, para isso, existem diferentes opções de tomada de decisão.
No caso da Va’a o que é passível de ser calculado e controlado? Vejamos alguns exemplos e façamos possíveis reflexões:
Se olharmos separadamente para cada componente, vemos que os aspectos relativos ao praticante e à canoa, implementos e equipamentos de segurança são calculáveis e controláveis: é possível mensurar a força e moldá-la por meio de treinamentos específicos; fazendo manutenção regular na canoa pode-se avaliar a qualidade do material, o estado de conservação e tempo de vida útil; por meio de aparelhos e aplicativos, se obtém referências de clima, tempo, ondas, correntes, maré, etc. com boa qualidade de precisão, mas, vale lembrar que falando em ‘natureza’ é preciso considerar a incerteza e a imprevisibilidade.
Por outro lado, fazendo um cruzamento entre dois ou mais componentes, o cenário pode mudar, por exemplo: durante um exercício de simulação de huli, realizado em circunstância propícia ao aprendizado, o aluno pode conseguir flutuar e nadar com facilidade utilizando apenas um braço e segurando um remo ou objeto com uma mão. Já, em uma situação de perigo eminente, como presença de correnteza, vento ou água em baixa temperatura seu desempenho de deslocamento no meio líquido pode ser diferente. Assim como um remador pode apresentar excelente indício de controle emocional em ambientes favoráveis, mas ao experimentar uma situação real de risco devido às intempéries climáticas, pode perder o autocontrole.
Como existem três componentes que se desdobram em muitas possibilidades e diversas alternativas de interação entre si, a prática em canoa polinésia requer um bom e minucioso gerenciamento de riscos. Se você ainda não fez isso ou se não fez de maneira sistemática , faça uma experiência com base nas circunstâncias vividas por seu clube/base no local onde está situado.
Inicie fazendo uma lista com os aspectos relativos de cada componente. Depois, relaciones as possibilidades de cruzamento para conhecer quais são as circunstâncias que podem ser vivenciadas durante a prática da va’a na sua região. Assim, após ‘conhecer’, ‘calcular’ e ‘controlar’, é necessário prever os desdobramentos nos casos das situações adversas que envolvem riscos e projetar os possíveis prejuízos – que podem ser de efeito humano e/ou material.
Por fim, após fazer a análise das possíveis situações, é hora de tomar decisões: sair ou não para remar, qual rumo seguir, quais pessoas estão preparadas para remar em determinadas circunstâncias, possibilidades de mudanças no trajeto ou nos objetivos e assim por diante.
Os exemplos aqui trazidos são somente para ilustrar a interação entre as componentes da Va’a. O gerenciamento de riscos deve ser um ato constante para todas as pessoas que são responsáveis por uma canoa, base ou um clube. Grande parte do sucesso em termos de segurança na prática do remo depende da antecipação perante as inconstâncias humanas e da natureza e da compreensão e respeito às ‘mensagens’ que ela emite.
Por Nany Lima