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Expedição Hale Hoe – 1000km: lições de humildade

Por Helaine Lima (Nany – kahakai Va’a e Vila Canoe Club)

Uma característica que move a humanidade impulsionando a evolução da espécie é a coragem. Mas, isoladamente, sem o uso da inteligência ela não garante o sucesso de uma empreitada desafiadora. Outra capacidade essencialmente humana é o planejamento e esse é um ponto divisor de águas entre o sucesso e o fracasso.

Coragem, inteligência, desafio e planejamento: o que isso tem a ver com Va’a? Gabriel Mattos e Rodrigo Fernandez têm a resposta para essa pergunta não somente na ponta da língua, como também na execução da expedição iniciada em 04 de janeiro de 2021, cujo propósito é completar o maior trajeto já feito em canoa polinésia no Brasil, remando 1000km de Niterói, RJ a Florianópolis, SC.

Em janeiro os remadores colocaram em prática um planejamento que começou a ser construído com seis meses de antecedência e agora, após 14 dias de expedição afirmam com propriedade que ele está dando certo e é uma das chaves para o sucesso desta jornada.

Lições de humildade e respeito

Além de toda experiência e domínio da Va’a (como esporte e também de sua canoa ‘Ohana’) a dupla tem deixado por onde passa uma lição de humildade e respeito demonstrado um pelo outro e por todas as circunstâncias que envolvem essa expedição. Ambos com 26 anos de idade, revelam um bonito e harmônico trabalho em equipe, afirmando Gabriel: “(…) a gente tá nessa junto e o problema que vier a gente vai resolver junto e a gente vai disfrutar das coisas boas juntos também”. A dupla é uma unidade e o que fica definido entre eles é de responsabilidade dos dois: “a gente não culpa ninguém durante a viagem (…) uma decisão que foi tomada em consenso nunca pode ser contestada depois”, segundo Rodrigo. Ou seja, se há sucesso: mérito para ambos, mas, se há fracassos, não há culpados, há decisões em conjunto. Essa é uma linda lição de humildade deixada pelos remadores.

Ou aspecto determinante para o sucesso da expedição é o conhecimento e respeito à natureza. Para os remadores, enfrentar a natureza não o caminho correto… dialogar com ela, por outro lado, pode ser a chave para a conclusão do objetivo de remar 1000km.

As posições na canoa também têm sido ocupadas de maneira muito orgânica, isto é, não existe pré-determinação de quem é o vogah e quem faz o leme. Esta escolha tem ocorrido naturalmente, conforme a dupla sente que é necessário, sempre com um remador apoiando o outro, usando a sensibilidade para definir em qual banco sentar.

O ápice do primeiro terço da expedição

A amizade entre Gabriel e Rodrigo está marcada nos acontecimentos mais significativos desta remada. O ápice da expedição – considerando os 14 dias de remada, ou 1/3 do trecho total – foi ter remado além das ‘fronteiras’ onde já havia chegado anteriormente, relata Gabriel, ainda mais por estar com um amigo que possui a mesma idade e tempo de experiência parecido no remo: “a gente estar avançando juntos não deixa de ser uma vitória, agora a gente está tomando o nosso caminho também”. Este sentimento acompanha o humano por todo o sempre… o desejo de ir além, a sensação de progredir e o espírito explorador latente.

Já para Rodrigo, houve dois momentos marcantes: o primeiro foi um “ápice de tranquilidade (…) no dia do nosso embarque, que depois de quatro meses muito intenso de planejamento, quando você (ufaaa) deixa todo mundo pra trás dá o último ‘tchauzinho’ e vê só o azul na sua frente, na linha do horizonte: dá uma calma, dá uma paz… aí você fala assim: pronto! agora é só fazer o que eu pensei esse tempo todo”.  E o segundo momento especial para Rodrigo foi a passagem por Martim de Sá, RJ onde morava um amigo querido, Sr. Maneco, e após transporem a ponta da Joatinga (famosa pelas condições difíceis de navegação) sem passar por nenhum ‘perrengue’, ao gritarem o nome do amigo avistaram uma baleia, trazendo a sensação da conexão com a natureza que frequentemente é sentida quando se está remando em canoas polinésias.

O entusiasmo inicial, continua o mesmo após duas semanas?

Parte do entusiasmo e ansiedade inicial estavam atrelados à operacionalização diária das tarefas relacionadas à expedição o que logo se tornou um modus operandi, como expressou Rodrigo, quando cada detalhe foi incorporado naturalmente: onde amarrar cada cabo, qual a velocidade média será feita no dia considerando o vento, a corrente, etc. Detalhes que no começo provocavam aquele frio na barriga, agora foi substituído pelo anseio de chegar até à próxima base e por encontros com novos amigos que vão se constituindo pelo caminho, pela surpresa de cruzar com diferentes animais ou fenômenos da natureza durante a remada.

A corrente da Va’a – o espírito va’a

Gabriel definiu como “a corrente da Va’a” um elo que é formado entre as bases notado, por exemplo, quando estão sendo recepcionados por um clube que entra em contato com outro pedindo para recebê-los na próxima parada, indicando pessoas e locais para conhecer ou visitar e isso, segundo o remador, mostra como a Va’a está ‘viva’ em todo o Brasil e aponta o seu crescimento e consolidação enquanto esporte.

O propósito de intercâmbio com diversas bases e clubes de Va’a espalhadas no percurso da viagem é um dos objetivos desta expedição, uma vez que a dupla de remadores espera conhecer e compartilhar experiências e visões sobre este esporte e fazer uma ‘troca consistente’ com outros praticantes e profissionais. Mas, tanto Gabriel quanto Rodrigo consideraram uma surpresa muito positiva a riqueza desses encontros, o que lhes proporcionou uma oportunidade de repensar a prática e de refletir sobre o futuro pessoal, profissional e também sobre o desenvolvimento esportivo da Va’a.

Beneficiar-se da prática da Va’a significa transformar os valores aprendidos na canoa em prática de vida, levando-os para o dia-a-dia familiar, no trabalho ou entre amigos. “Coisas que fazem a canoa andar (união, parceria, respeito, etc.), que fazem a minha vida fluir melhor…” isto é o espírito Va’a para Gabriel.

Rodrigo sente o espírito – ou mana, termo havaiano – quando percebe a canoa leve e deslizando tranquilamente, fruto da leveza com que as pessoas chegam para a remada, com um propósito de aproveitar e disfrutar. Para ele, “humildade é uma palavra muito ligada à canoa havaiana”.

Um verdadeiro ensinamento deixado pelo remador Rodrigo é relação feita por ele entre o que é aprendido e praticado dentro da canoa e a vida fora dela: “você precisa de uma cadência no seu dia-a-dia como o vogah necessita; o banco dois deve inspirar-se no banco um, como você deve refletir-se em coisas boas; ter força e saber dosá-la igual ao motor; ter o controle da sua vida, como estar no leme da canoa”.

Da esquerda pra direita: Fernando Rufino, André Prates ,Giovane Vieira

O outro lado da moeda: amigos em terra:

Assim como para Gabriel e Rodrigo, as pessoas que estão recebendo essa jovem dupla de remadores tem sido uma experiência incrível! Especialmente porque quase todos os remadores desejam, já desejaram ou vão desejar um dia fazer uma grande remada, o que para alguns pode significar 1000km e, para outros 10km já são suficientes.

Sendo assim, buscamos algumas bases onde os meninos aportaram para entender como funciona para o ‘outro lado da moeda’, ou seja, para aqueles que fizeram uma ‘ponta’, uma pequena, porém significativa parte nesta expedição, dando abrigo para os remadores, remando um pequeno trecho com eles ou dividindo histórias, emoções e compartilhando conhecimentos.

Conforme o trajeto percorrido pela dupla de remadores, Dani Yahn (Paddle Club Ilhabela), Roberto Silva Junior (Kahakai Va’a e Vila Canoe Club Barra do Una, São Sebastião), Renato Big e Severino Souza (Bertioga Paddle Club) e André Prates Clube Bra VA’a e atleta da Seleção Brasileira de Paracanoagem, contaram um pouco como foi recebê-los em suas praias, em suas bases:

O que mais marcou você no encontro com a dupla Gabriel Mattos e Rodrigo Fernandes da Hale Hoe nesta expedição de Niterói a Florianópolis?

Dani Yahn: “O que mais me marcou no encontro com essa grande dupla foi a parceria deles, a generosidade um com o outro, a confiança de se entregar numa experiência que requer atenção e que talvez possa acontecer momentos difíceis, a determinação de fazer acontecer, e o quanto essa passagem deles por todas as bases sendo recebidos com carinho e atenção nos mostra que há uma ligação maior, uma ligação marítima de quem ama estar no Mar!!!”

Roberto Silva Junior: “Encontrar os dois aqui, poder recebê-los em nossa base, depois recebê-los em nossa casa foi algo muito bacana, porque além dessa questão romântica do desafio, de uma aventura – muito bem controlada, muito bem administrada – até esse ponto que a gente tem acompanhado com eles, deu pra perceber que é algo muito estudado, muito bem acompanhado e isso é muito bom. O que me chamou atenção é que ‘naquela’ canoa, não tem vaidades excessivas… a canoa é confortável, mas é estreita para vaidades e eu não vi isso ali, eu vi uma união muito bacana entre o Rodrigo e o Gabriel. Outra coisa que me chamou a atenção foi o profissionalismo deles: eles não se entregaram simplesmente a fazer uma travessia… dá para ver o comprometimento que eles têm com as pessoas que estão os apoiando, a preocupação que eles têm em mandar as notícias e de divulgar o que eles estão fazendo, a mentalidade profissional que eles estão tomando essa aventura. Não está sendo algo radical, está sendo uma viagem planejada – que é aquilo que a gente espera que todo mundo que vai fazer uma viagem, uma travessia ou até uma saída diária de canoa, tenha um planejamento e estudo e eles estão fazendo isso de maneira primorosa”.

Renato Big: “O que mais marcou foi a simplicidade da dupla, e ver nos olhos deles quão valiosa está sendo essa experiência, a BERTIOGA PADDLE CLUB se sente honrada em participar desse feito incrível”.

Severino Souza: “Marcou a coragem desses guerreiros da canoa, jamais pensei que alguém teria essa coragem de fazer isto”.

André Prates: “Primeiro é a determinação, dois caras que se planejaram para fazer algo diferente, digo diferente não pela expedição, sabendo que já foram feitas outras, mas diferente pela proposta de sair remando com um objetivo e nesse objetivo bem planejado se dispor na trajetória a trocar ideias e conhecimento independente da modalidade, lugar, tipo de embarcação, cultura local, o que fica de pensamento é saber que com planejamento e apoio se alcança talvez o inalcançável com êxito, só tenho a agradecer a eles pela experiência trocada”.

2- Resuma a experiência de ‘participar’ deste grandioso feito em 1 palavra ou frase.

Dani Yahn: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente; é o que melhor se adapta às mudanças” – Charles Darwin.

Roberto Silva Junior: “Além da aventura, existe o profissionalismo”.

Renato Big: “INCRÍVEL”

Severino Souza: “Determinação”

André Prates: “Gratidão em saber que sempre vai existir alguém disposto a nos mostrar que é possível”.

Para finalizar, os ecos que ficarão desta grande expedição já começam a ser sentidos pela dupla, que afirmou: “pode ser que a viagem termine a gente continue vivendo-a”.

Que seus exemplos de profissionalismo, seriedade, respeito e humildade atinjam muitas pessoas e que se propaguem como ondas no mar.

Alex Araujo
Alex Araujo
Alex Araújo é um dos pioneiros em criação de conteúdos esportivos na internet. Atua neste mercado desde 1996 como editor de renomados sites como CAMERASURF, SURF-REPORTER e nas revistas PARAFINA MAG e SUP MAG, e já colaborou com artigos nas Revistas Fluir, Inside,Hardcore e no Jornal Drop.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente explanação sobre esta, digamos: “aventura incrível”, que Gabriel e Rodrigo estão tornando “crível e possível, com responsabilidade e competência e porque não dizer: corajosa! Parabéns à dupla e parabéns à autora do texto!!!

  2. Muito trabalho por trás do feito, está sendo constatado por quem os encontra pelo caminho.
    São dois, mas na canoa é um só pensamento.
    SUCESSO, vcs merecem. Forte abraço filhos!

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