Quinta-feira, Novembro 7, 2024

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Aventura no litoral Paulista – Volta à Ilha de Santo Amaro

Os remadores Caio Mariani e Alexandre Wolthers no enviam o relato de uma remada super alto astral em um dos percursos mais desafiadores do Litoral Paulista, confira a matéria.

Mar é gente, a gente é mar. Esse mar não é apenas água salgada, ondas e perigos, é também correntes, correntes são caminhos e maré são mãos, mãos de alívio, alívio que empurra. O mar é a beleza da solidão. Esses são nós, Caio Mariani e Alexandre Wolthers.

Domingo estávamos conversando e sem mais nem menos, sem remar juntos há mais de dois anos, aquela coisa né, a ventania da vida embaralha tudo, planos somem como água na areia, então com isso em mente, decidimos dar a volta na Ilha de Santo Amaro na quinta-feira, quatro dias depois. Analisamos juntos maré e previsão do tempo, tudo se encaixava.

A ideia era problema, problema é bom, quem não gosta de problema é louco. E procurávamos isso. Por mais que talvez esse não tenha sido tanto o caso, porque o que pareceu é que os problemas fugiram da gente durante todo o percurso que irei relatar.

O primeiro problema que tivemos que foi solucionado em segundos, foi a falta de uma oc2 para realizar a missão. Pedi para alugar a canoa do Felipe Motta, e na hora ele liberou na faixa.

Colocamos a canoa na água, logo ao lado do deck do pescador na Ponta da Praia de Santos. A canoa tem vida, o que tem vida precisa de nome, o Xande disse: “Dragonfly”, achei irado.

A partir do momento que colocamos a canoa na água sabíamos que não havia mais volta, só a Volta. Do que fosse suceder, iria ser transposto. As incertezas foi o que não tivemos. Foi assim que aconteceu quando demos a volta na Ilha de São Vicente, mesmo quando um dos remos quebrou. Dessa vez levávamos um remo extra, quem tem dois tem um. “Imua.”

O mar estava liso como azeite, a maré vazante iria nos ajudar a sair do canal e ir em direção a alto mar, subimos na canoa e partimos.

Passamos pela Praia do Cheira-Limão, mais ou menos pelo meio do canal, foi quando vimos um navio de passageiro vindo pela baia, daqueles enormes. Obviamente, fomos em direção a ele.

O navio, gigante, só não parece um monstro porque é lindo. A alguns metros de distância dos navios conseguíamos ver os passageiros em suas cabines, um deles, esbanjando sua nudez, admirava a vista.
Continuamos a remada em direção a Ponta Grossa, num ritmo lento, ainda tínhamos mais de setenta quilômetros para percorrer, e precisamos aquecer os músculos e o coração. Coração é musculo, musculo que bombeia sangue, sangue que circula e entrega oxigênio, oxigênio que reage dando energia. O coração precisa entrar no ritmo.

Aventura no litoral Paulista


Xande além de ser navegador no Rio Amazonas, é free-surfer profissional, já viajou o mundo surfando, dinamarquês, já até surfou no oceano ártico, num mar congelante.

Entre períodos de silêncios prazerosos e remadas, entrarmos em discussões filosóficas de Sócrates, Nietzsche e Descartes.

O apolíneo e o dionisíaco. É magico.

Aventura no litoral Paulista


Nove quilômetros depois da saída paramos na praia do Moisés, uma praia paradisíaca, sozinhos com execução de dois urubus, que como rei e rainha da praia tronavam em cima da pedra mais alta.

Tomamos nosso café da manhã, alguns ovos cozidos e castanhas. Até a chegada de um remador de caiaque, o Alemão, conversamos brevemente, e partimos.

A Dragonfly voava por cima de um mar de sopa ilustrado com a luz do sol, inspirado em Picasso. Bem ao fundo, em alto-mar, um navio fundeado com o motor ligado jogava fumaça pela chaminé (extremidade de superestrutura) e indicava a direção do vento de sudeste, que nos empurrava em nossa direção. A proa nos apontava a direção da ondulação para o leste.

Já na outra hora, no meio da manhã, chegamos nas Ilhas das Cabras, as palmeiras e a grama pintavam a cor do mar de verde. A água cristalina nos permitia ver as pedras amarelas no fundo que estava bem raso. Uma barraca no meio da ilha indicava que talvez um casal privilegiado dormia ali.

Alexandre subiu na ilha pelas pedras, queria dar “um check”: território explorado. Sem praia para encostarmos a canoa, permaneci na mesma e depois de uma nadada naquelas águas cristalinas.

Aventura no litoral Paulista

O sol começou a castigar enquanto a metade do dia se aproximava. Já passados mais de dez quilômetros da última da parada, ainda tínhamos mais da metade disso para percorrer para a próxima praia. Passando pela costa, perto de uns penhascos, as ondulações de leste com cerca de um metro de altura, batiam nas pedras e voltavam sem perder energia, o que deixava o mar balançado.

Já começávamos a sentir com o cansaço quando avistamos a praia do Eden. Aproveitamos a força de uma marola e chegamos rapidamente. Repousamos a canoa na areia e procuramos uma sombra, já que essas poucas eram disputadas por alguns turistas. Esses nos olhavam como que pareciam que não entendiam como uma canoa estava chegando ali. “De onde eles vêm? Para onde eles vão? Do que eles vivem?”.

Durante o descanso breve, ingerimos mais de uma garrafa grande inteira de água, barras de proteína de chocolate e mais algumas castanhas. Ríamos de rir, rizo honesto. Partimos.

Só a gente e o mar. Ah! O sol também estava lá. Ostentador eu diria. Passamos pela Praia de Pernambuco, e em seguida por uma costa alta de alguns poucos quilômetros. A vegetação fazia umas linhas paralelas, como se o Deus Éolo tivesse a penteado.

Demos a volta na ponta e encontramos a Praia do Oda, ou Praia do Cuiuba. Como você preferir. Linda, deserta, cheia de sombras de árvores, gostaria de ter passado algumas horas ali, infelizmente, a Lua não para, e tínhamos hora para pegar a maré enchente no canal de Bertioga.

O astro do dia rouba nossas energias, nos pune, desgasta. Colocávamos nossos remos na água e íamos num ritmo bom. As duas ilhas do trecho final de mar já eram vistas, e ficavam cada vez maiores, por mais que fossem pequenas. Havíamos visto pelo mapa que uma delas possuía uma praia, e era para lá que íamos.

Ao chegar percebemos que a praia era quase que fechada por pedras, resolvemos chegar perto para analisar as condições de desembarque. Analisamos e decidimos descer por entre as pedras.
Chegamos no raso, descemos da canoa pisando nas pedras, esperamos algumas ondas quebrar, levantamos a canoa e fomos.

A pequena praia não tinha areia, era tudo concha, passei a mão afim de cavar e analisar na profundidade, e só achei conchas. Estávamos na Ilha das Conchas, não achei o nome dela no mapa, mas não existe nome melhor. Fica um pouco antes da Ilha do Guará.

Aventura no litoral Paulista

Sem nenhuma sombra, descansamos um pouco e partimos para completar os últimos dez quilômetros de mar. Assim, a longe da partida, navegamos rumo a Bertioga, cansados pelo sal e sol, com os mantimentos acabando, com o traseiro doendo de quase oito horas e quarenta e cinco quilômetros sentados na canoa. Foi assim que passamos pelas Praias Pretas, Praia Branca, pelo Farol e pelo Forte São Luiz, e foi assim que chegamos em Bertioga as quatorze horas.

O Forte São João é dominante na paisagem, observamos as canoas estacionadas no parque ao lado, e comentei que foi ali que a Janaína dormiu quando fiz a expedição para São Sebastião. Alguns metros à frente, paramos numa pequena praia ao lado do primeiro píer.

Não me julgue, mas ansiava por uma Coca-Cola bem gelada. Na padaria matei minha vontade e levei uns salgados assim como algumas garrafas de água para repor o estoque para o trecho final. Sem perder tempo, prosseguimos adentrando no canal com a maré, ainda de enchente, nos empurrando para dentro.

As dezesseis horas a maré mudava para vazante e precisávamos chegar no meio do canal antes desse horário.

O sol encoberto pelas nuvens, a água enchendo o canal, energias repostas e conversando comprido fomos indo. Passamos por algumas marinas, mas de resto é aquela paisagem mesmo. Morros verdes de floresta densa, com exceção das árvores que nascem na margem, na água.

Em algum momento paramos para comer uma bananinha doce cada um, e mudar um pouco a posição, mas só por alguns poucos minutos, o que já era suficiente. O traseiro gritava, já estávamos há quase dez horas em cima da canoa.


Não lembro perfeitamente, mas acho que foi um pouco antes de chegar no Largo do Candinho, ou talvez um pouco depois. Um jacaré veio investigar a canoa, devia ter uns dois metros de comprimento, surgiu na superfície da água, ouvimos o barulho, mas ele se assustou mais que a gente, e saiu nadando bem rápido, deixando um rastro por cima d´agua.

Aventura no litoral Paulista

Chegamos na Prainha, no Largo, que fica no meio do canal, deitamos na pequena faixa de areia, um galho grande me atrapalhava, e resolvi afasta-lo. Quando o fiz, diversos insetos pequenos saíram debaixo dele. Mal havíamos chegado, fomos.


Calculamos que ainda faltava cerca de mais vinte quilômetros para terminar a volta na ilha. Metade do percurso no canal de Bertioga a outra metade no Porto de Santos.


A nuvens estacionadas na Serra do Mar preconizavam chuva, aliados ao cansaço e ao episódio do jacaré catalisavam o ar sinistro que impera no mangue.


Perto do Monte Cabrão, o sol apareceu por entre as nuvens, era o início do final de tarde, as arvores um pouco molhadas refletiam a luz do sol como se fossem pintadas de ouro. Um belo espetáculo.


Viramos na Base Aérea de Santos e fizemos a última parada no Farol do Itapema, onde o senhor responsável permitiu que ficássemos brevemente, sem antes dizer que erámos corajosos, pois ultimamente vem ocorrendo bastante assaltos no canal. Inclusive um amigo pescador dele, teve seu barco roubado.


Conforme havíamos calculado, a maré já estava vazando, a água estava indo embora do canal em direção ao mar, e nos levava junto.


Depois de analisar a rota realizada através de um aplicativo, constatamos que atingimos a velocidade máxima de vinte e cinco quilômetros por hora nesse trecho final do porto. Um pouco antes de encostarmos na margem, para eu fazer um carinho com a mão na parede de um navio carente atracado.

É gostoso se sentir pequeno, a gente se sente grande.


Passando a balsa, já estávamos em casa, faltando apenas um pouco mais de um quilômetro para chegar no deck do pescador, da onde havíamos partido. A sensação já era de missão cumprida, podíamos ficar parado, sem remar, que a maré iria nos levar.

Aventura no litoral Paulista

Tempo passado foi, espaço passado foi também, chegamos as dezoito horas. Setenta e seis quilômetros e doze horas depois. Cansados, aquele cansado feliz. Duas cervejas geladas foram brindadas, merecidas.
O que parecia inalcançável no domingo já fazia parte das nossas memórias.


Só quem vai atrás de suas metas, as alcança.


Até a próxima.


Imua!

“Life is simple; just add water.”
Leonardo da Vinci

Autor: Caio Mariani
Colaborador: Alexandre Wolthers
Revisão: Soren Knudsen

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