Quinta-feira, Novembro 7, 2024

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Mestre do Mar – Travessia Colômbia – Haiti

Durante a minha vida tenho tido a oportunidade de conhecer pessoas realmente incríveis e especiais, que fazem do mar seu ganha pão, seu lazer, sua fonte de inspiração.

Essas pessoas são normalmente as mais humildes e as mais descoladas no que tange a bens materiais, ego, vaidade.

Isso tudo por uma razão: O Mar, o Oceano, trata de nos mostrar em situações difíceis que tudo isso é besteira. Não estamos no controle de absolutamente nada.

Dentre essas pessoas especiais, no final do ano de 2020 tive a honra de conhecer o Luciano Guerra, ou simplesmente Luciano Ilha Grande.

Eu estava indo para a Expedição Anamaue que viria da Bahia até Niterói usando duas velas como principal meio de propulsão, e aí estava atrás de todo e qualquer conhecimento que poderia ter. Não conhecia a rota, não conhecia os cabos que ia passar, as condições predominantes nesses locais.

Minha querida amiga Vivi me disse:

“Douglas, você tem que conhecer o Lucchi (mais um dos apelidos do Luciano)! Vocês têm tudo a ver e ele vai te ajudar muito! Vou fazer a conexão! ”

Eis que alguns dias depois, chega aqui em casa, no CEM Jurujuba o Luciano.

Ao ouvir suas histórias vi que estava na verdade ao lado de um dos grandes velejadores do Brasil, com muitas e muitas milhas náuticas navegadas por essas costas e pelo mundo, e o mais incrível, um cara que provou ser possível vir da américa do Norte para o Brasil sem ter que ir para a Europa, isso apenas na vela e usando as correntes a seu favor.

Rapidamente me tornei fã do Luciano ouvindo suas histórias de velejadas oceânicas! E ele com toda a sua humildade aqui na minha casa ouvindo as minhas intenções, meus medos e incertezas e passando seu conhecimento e sua visão sobre o trecho que iriamos percorrer.

No final ele disse:

“Vai que vai dar certo! ” E escreveu na parede aqui de casa uma sentença que viria a usar inúmeras vezes na minha vida: “Quando tudo parecer que está dando errado, saia do plano físico e torne-se aquele ser humano que fará a diferença e deixará seu legado eternizado”.

E assim, na véspera de uma grande aventura, um incentivo enorme e uma certeza: Que cara diferente, que cara maneiro!

Travessia Colômbia – Haiti

A partir daí começamos a nos falar mais.

Luciano mora na ilha grande, na vila do Abraão e tem um projeto social de vela com a garotada de lá. Eu moro em Jurujuba e tenho um projeto social de canoa com a garotada daqui.

Temos uma visão similar da vida, de pouca acumulação de bens materiais e de muita acumulação de momentos e histórias.

Fizemos nossa travessia da Bahia para cá e toda vez que tinha uma dúvida sobre algo de vela, de trecho, ligava para o Luciano e ele me esclarecia. Se tornou um professor para mim, um amigo mesmo tendo nos vistos uma ou duas vezes na vida.

Mas estava bom, o mar tinha feito o papel de nos aproximar.

Não sou um cara da vela, não tive barco, não cresci em um clube de vela nem correndo regatas.

Vim do surf, da canoa polinésia e quando comecei a remar e ir para mais longe, conheci um dos grandes mestres da minha vida, o Rodrigo Magalhães (in memorian), que remava de caiaque oceânico e sempre falava da importância do conhecimento teórico e de se habilitar, tanto no sentido de ser tornar hábil quanto no sentido de tirar as habilitações pertinentes as áreas que se pretendia navegar.

E comecei a estudar, a ler, a me aprofundar.

Minha amiga Fabi me apresentou o comandante Guilherme Winter e entrei para a sua tripulação no barco Mano Chopp. O Comandante me ensinou muito e aí sim estava tendo meu primeiro contato com o mundo da vela.

Depois o veleiro Migatã do meu irmão Carlito, os convites do Alex Piu aqui de Jurujuba, os rolés no veleiro Bronco, do meu irmão Bernardo Araripe.

E fui indo atrás de mais conhecimento e de mais habilitação até me formar como capitão amador com o professor Flavio Ramirez.

Meu processo na vela foi um pouco diferente e não tão novo, depois dos 30, 35 anos de idade.

Acho que isso é legal de mostrar porque dá para começar qualquer coisa sempre, e o mar é minha vida. Quero viver dele e nele se Deus permitir.

 Esse ano eu e Luciano começamos a trocar mais. Convidei ele para fazermos um percurso de canoa a vela, para ele me ajudar com os ajustes e colocar sua visão e percepção em cima da canoa que estamos desenvolvendo. Um novo projeto.

Em uma das nossas conversas, no dia do meu aniversário, 31/01, recebo uma mensagem do Luciano:

“Irmão, vou te fazer um convite: Está afim de ir para uma possível viagem de barco comigo? Não tem nada certo ainda, mas é época de trabalho pelo lado do Panamá nos meses de fevereiro e março e se der, agora é minha vez de retribuir o convite”.

 Para mim foi o melhor presente de aniversário, estar recebendo o convite para um velejo junto ao Luciano Guerra! Que felicidade e quanta honra para mim.

Tentei não criar expectativas porque ele mesmo disse sobre um possível trabalho. Mas fui agilizando toda documentação. E fiquei meio que acompanhando o trabalho dele em um barco que ele estava aprontando para trazer, contudo o dono não sabia se ia ou não acompanhar a viagem.

No final do mês de março, recebo uma mensagem do Luciano:

“Irmão, e aí, tudo certo para vir? Estou aqui na Colômbia e vai rolar de você vir com a gente mesmo! Vamos cruzar uma das rotas mais duras do mundo. Quero te tirar do capitão de habilitação para te mostrar o mar de verdade.

Sem nem pensar duas vezes respondi na hora que sim. Tinha três dias para agilizar toda uma vida que não se pode dizer quanto tempo levará. No mar isso não existe.

Foi uma correria, deixar o Icarahy Canoa Clube com a galera, deixar o projeto social com a galera, os meninos Juniores em véspera de campeonato brasileiro….

E no dia 28/03 parti para encontrar o Luciano que a essa altura já estava acompanhado do Pedro Ruffo, um velejador casca grossíssima que vem de uma família de velejadores oceânicos, e sabe muito de mar, de mecânica!

Cheguei em Cartagena, uma linda cidade que aconselho a todos a ir visitar.

O mar estava agitado lá fora e tínhamos que esperar uma condição melhor para partir. Não dava para sair de qualquer jeito.

Foi importante esse tempo ali para eu ir conhecendo melhor os dois. O Luciano, apesar de parecer que a gente já tinha afinidade, na verdade nos encontramos rapidamente em duas ou três ocasiões na vida.

E o Pedro, era a primeira vez que o via pessoalmente.

Serviu para eu ir entendendo as coisas no barco, aprendi a costurar uma vela, começara ali um novo ciclo de aprendizado, de muita absorção de conhecimento com aqueles dois mestres.

Saímos para as compras e o Comando (Luciano era o Capitão da tripulação, e muitas vezes vou me referia e a ele como Comando, pois era assim que o chamava durante todo o momento.) falou uma de suas frases clássicas: “Comida é dignidade. Tem hora que é a única dignidade que ainda sobra. Pensa no que você gosta e leva para bordo.”.

Fui entender essa frase algum tempo depois.

O dia da partida era o dia seguinte, dia 01/04.

Arrumamos o barco todo. Aprendi que cada coisa tem um lugar e tem que estar muito bem presa. Seria vento nordeste o tempo todo e nossa rota ideal seria exatamente para o nordeste. Portanto nosso objetivo seria tentar seguir mais costeando possível e depois jogar para o norte e aí a gente ia ajustando a rota de acordo com que fosse melhor.

Travessia Colômbia – Haiti

O veleirinho, que esqueci de apresentar era um Main 34,5, de nome Namastê. Um veleirinho guerreiro demais, marinheiro demais que com os ajustes que o Comando e o Pedro fizeram tornou-se um barco e tanto!

Para quem é do mar, barcos tem alma, por isso tem nomes e são batizados.

E o Namastê tem a alma de conduzir, de cavalgar as ondas do mar.

Saímos as 4 da manhã do dia primeiro de abril. De noite. Para mim já era uma novidade, sair de um porto para perto de 10 dias no mar.

O Comando falou, seu maior desafio será a cabeça e isso eu não posso te ajudar.

Eu não tinha a menor ideia de onde estava indo, do que viria pela frente, das minhas reações.

Meu maior percurso tinha sido de 24hs de Niterói a Macaé com o Bernardo.

Mas é isso, se a vida, ou Deus, nos coloca de frente a algum caminho a gente segue.

Por muito tempo eu almejava aquele momento. Sair dos livros que li de muitos ídolos, e tentar viver o meu próprio livro, independente de quantas páginas teriam.

E pedi que fosse com uma tripulação que saberia nos conduzir em segurança, mesmo nas condições mais severas que se apresentassem.

Enfim estava ali exatamente do jeito que pedi. Com os dois caras que confiava demais.

Durante 15 horas navegamos mais perto da costa. Até que o motor aqueceu e a solução era começar a subir as velas e rumar o mais próximo possível para o Nordeste em uma orça (navegação contra vento) muito dura.

Travessia Colômbia – Haiti

Primeiro dia de condições que já mostravam o que seria a travessia. Um canal duro, com ondas de tudo que era lado e uma corrente que não deixava o barco evoluir. Tinha que ir devagar. O Pedro e o Comando ajustaram o barco e fomos bem devagar para evitar a fadiga dos materiais a bordo e da estrutura do barco.

Já tinha ondas de uns 2, 3 metros e vento de 25, 30 nós.

O Comando definiu o turno de 3 horas para cada um no Leme, fosse de dia ou de noite. E aí dava para descansar 6 horas.

No segundo dia o mar amanheceu já de outro jeito!

Tinham ondas realmente grandes e oceânicas. Era tudo ultra dimensionado para mim. Ver o mar oceânico pela primeira, na vela, traz duas sensações: Admiração e medo.

O cinto de segurança era obrigatório. A pior coisa que pode acontecer é cair na água. A chance de dar certo um resgate vira loteria.

Cozinhar era impossível naquelas condições, a panela iria quicar e jogar comida e/ou água quente para cima e ter um acidente sério. Tentamos pescar, mas a quantidade de Sargaço (alga) presente ali naquela região está enorme. Jogava o currico, voltava com alga.

 E foi aumentando ao longo do segundo, terceiro, quarto dia de navegação quando chegamos no ponto mais central do canal que liga a Colômbia ao Caribe.

Os ajustes eram diários. A partir do segundo dia, os turnos seriam de 2 horas de trabalho no Leme para 4 horas de descanso. 

Eu estava me adaptando a tudo. Sou um cara que acordo antes das 5 todos os dias para treinar ou dar aulas de canoa polinésia, e a noite para mim sempre foi para dormir. Antes da canoa por causa do surf.

Ficar acordado era um desafio, não dava nem para fazer um café por causa das condições…

Em contrapartida as noites eram lindas. O céu era um céu que nunca tinha visto, novas constelações, e tentava marcar o ângulo que o Comando falava para manter com alguma constelação no céu, e no segundo turno da noite ficava vento onde ela estava, e qual era a nova estrela do ângulo anterior. É a percepção total da rotação da terra que a gente lê nos livros.

Estar ali era como viajar no tempo. Tudo nesse planeta mudou ao longo de todos esses anos, mas uma coisa permanece praticamente inalterado pelo menos durante a era da humanidade: O céu estrelar.

E fazia a noite passar mais rápido, quando dava. Porque durante muitas noites era bomba de água o tempo todo.

As vezes estava quase seco para dormir, e no último segundo vinha uma que te dava um banho. Essas eram cruéis.

Nesse momento a gente passa a viver totalmente como uma unidade. As camas são divididas, e muitas vezes a gente sai tão cansado do turno que simplesmente se seca e se joga.

Começava a entender ali o verdadeiro sentido dos “fellows” do mar. Fazendo a conexão desses dois mundos do atual com o dos polinésios, vivemos o Tahoe, a união de todos em um sentido muito mais amplo.

Durante um dia o Comando me ajudou muito. Pela primeira vez estava sentido os efeitos do mar aberto e fiquei mal uma noite. E aí o Lu veio e me tranquilizou em muitos sentidos. Ele entendia que não era besteira. Estar no mar a primeira vez naquelas condições logo de cara, era difícil mesmo. Ouvir é um papel fundamental de um líder, e também nesse aspecto o Comando foi o líder.

Eu tinha uma única certeza só, que independente dos meus anseios e medos, eu ia fazer meu trabalho, e vencer esses medos e anseios que eram grandes.

Como estava o clube, o projeto, será que os meninos tinham sido campeões?

Nessa viagem aprendi que não adianta essa ansiedade, nada vai mudar. E quando relaxei meus pensamentos, voltei a curtir aquele privilégio que meus amigos Luciano Guerra e Pedro Ruffo estavam me proporcionando, aulas de como velejar no mar oceânico como profissionais.

Os amanheceres e os pores do sol são uma coisa a parte. Para mim são os momentos mais especiais do dia, e no mar, naquela imensidão, era sempre um espetáculo. Nascia no horizonte e morria no horizonte e cada dia diferente.

Com toda a calma do mundo fomos avançando. Aprendi que o tempo no mar não são medidos em horas, mas sim em dias. Que os bordos quando preciso não são de horas, mas sim de dias. A beleza está nisso também. Em se desprender do modo tradicional da correria desse mundo todo. As necessidades se tornam de novo ancestrais: Comer, descansar, trabalhar, dormir. Basicamente isso.

No sétimo dia vimos terra. Que maneiro ter essa primeira experiência de estar vendo terra! Gritei o famoso “ terra a vistaaaaa”….kkkkkk Era o Haiti. Um local que não tínhamos nenhuma informação a respeito. Fomos ganhando, chegando mais perto possível e aí demos mais um bordo a noite para fora para avançarmos na direção de Santo Domingo. Pedro estava pesquisando pontos de ancoragem e leu algo sobre uma ilha ali perto chamada Illes Vache.

O Comando decidiu então parar logo ali pois as referências eram as melhores possíveis.

No dia seguinte, entramos na baia e já começamos a ver vários velejadores tradicionais com suas canoas a vela, vela carangueja com uma genoa triangular. Muito raiz!

Travessia Colômbia – Haiti

A cor da água foi mudando, as ondas diminuindo e chegamos nas águas rasas. O azul era aquele de filme que tinha visto em poucos lugares no mundo: Tahiti, Havaí, Fernando de Noronha, Ilha Grande e Arraial do Cabo.

A incerteza era grande afinal o Haiti passa por um momento muito complicado de guerras civis, de descomando, de corrupção, e de muita pobreza.

Depois de 8 dias no mar, encontramos a baía Feret.

Começaram a vir os remadores em suas canoas tradicionais até o barco. Os locais remavam muito! E imaginei que era exatamente assim que os polinésios remavam. Com suas canoas de tronco de árvore, com remos feito com o que dava, sem empunhadura. Os caras remavam muito e pensei que se eles tivessem um equipamento de ponta, poucos ganhariam deles em uma competição real.

Os locais se mostraram muito amistosos. Toda hora alguém aparecia no barco para oferecer água, frutas, comida e tudo o que tinha na ilha que pudesse ser útil. Eles não roubam nada, não tem essa mentalidade. Estão ali tentando apenas ganhar um dinheiro e para isso precisam chegar até os “gringos” para vender suas coisas e pedir também donativos. É uma situação precária ali.

Todos queriam saber quem eram aqueles três doidos, de onde vínhamos e qual era nossa nacionalidade. Quando falamos que éramos brasileiros as portas se abriram totalmente.

Muito legal, apesar de todos os nossos problemas internos, ser reconhecido como um povo pacífico pelo mundo.

O idioma falado eram o Crioullo e o Francês, e alguns deles falam o Inglês também e era assim que nos comunicamos. Ficou aí mais uma necessidade: Aprender idiomas novos, pelo menos o Francês e ainda vou aprender o Mandarim. Se tornaram objetivos.

A ilha era linda e cultural. É regida pelas igrejas e pelo centro de música e arte. Lembre muito do meu irmão Hélio Valente. Certamente estaria ali batucando, fazendo oficina de como construir Carrom. Nós apenas admiramos.

Não há luz elétrica na ilha o que dá uma sensação ainda maior de estarmos em um local ancestral.

Há dois hotéis gigantes que eram operados por empresas estrangeiras que pelo fato da pandemia foram abandonados e deixados para traz. Um contraste absurdo na minha opinião. Como pode o ser humano, a ganância tomar conta dessa forma. Foram, construíram, usaram, criaram expectativas de um desenvolvimento local e na hora que os locais mais precisariam de ajuda, simplesmente fecha-se a porta e vai embora sem nem sequer levar todo aquele “pedaço de concreto” embora junto. As praias que esses hotéis ficam são lindas. Areia branca, águas transparentes! Festas e festas aconteciam ali. Era tão grande o empreendimento que dois heliportos foram construídos para os magnatas chegarem pelo ar.

Aí entra outra coisa muito importante que em poucos lugares do mundo ainda existe de uma forma tão exemplar: A honestidade e valores do povo.

Embora os ilhéus passem por várias dificuldades nada, absolutamente nada foi retirado do local. Fornos portáteis, enfeites, camas, eletrodomésticos, barcos, motores. Tudo exatamente como foi deixado. Pensem nisso, na nossa realidade: Aqui não podemos largar nossa bicicleta por exemplo por um segundo sem cadeado, quiçá com cadeado, que ela some, mesmo nós tendo muito mais do que eles sonham em ter.

Muito disso também vem pela filosofia Rastafári que vem da Jamaica e que era falado por todos na ilha: “If you respect me, I respect you! (Se você me respeitar, eu te respeitarei!).

Com o tempo fomos ficando cada vez mais amigos daquela ilha.  Tomamos banho no poço com os locais pois não há água encanada. Era encher um dos nossos sacos estanques no cano do poço, um de nós segurava e jogava no outro. Coisas inusitadas acontecem quando estamos por nós mesmo.

Conseguimos internet, apenas para texto e foi bom falar com a família e com os amigos.

No Brasil, meus meninos do projeto social Instituto VAA para o Mar em Jurujuba tinham sido campeões brasileiros! Meu coração se encheu de orgulho deles e queria demais poder ver as fotos, ligar, mas não dava. O Icarahy estava muito bem, os instrutores mantiveram a casa em ordem. O Centro de Estudos do Mar estava indo de vento em popa.

Essas boas notícias deram uma tranquilidade na alma e no coração impressionante! Todos os amigos apoiando a gente, e dizendo, fica tranquilo que por aqui está tudo bem! Mantem seu foco aí! Começara finalmente a me desligar do meu modo ligado nos 550 volts.

Tudo estava muito bom ali, porém a gente tinha que seguir viagem. Nossa próxima parada seria Santo Domingo, na República Dominicana a cerca de 250MN de distância.

Hora de preparar o barco de novo, organizar tudo e nos preparar também.

Saímos no dia 11/04 para essa perna. O Comando e o Pedro decidiram sair bem cedo, mas não de noite devido as inúmeras redes de pesca mal sinalizadas pelo caminho. Assim, navegar de dia garantiria menos risco de agarrar uma dessas no nosso sistema de Leme, motor e hélice.

O mar estava lindo, quase sem vento e de um azul surreal de bonito!

Passamos por ilhas ainda mais raiz e ficamos vendo várias bancadas que certamente quebram altas ondas nos dias certos. O surfe ainda não chegou lá. Talvez um dos últimos lugares a ser explorado par a galera que gosta realmente de pegar ondas solitárias. Eu e o Lu ficamos na proa orientando o Pedro no caminho desviando das redes e ao mesmo tempo nomeando cada bancada e pensando nos amigos em comum que temos e que quebrariam ali! Marcilio, Kid, Felipe, Merrequinha, irmãos em comum da vida, vinham em nossas mentes e a gente ia narrando as ondas imaginando eles nelas. O surf nunca sai da gente, mesmo que em nossas imaginações.

Nossa ideia era costear até a cruzarmos a fronteira entre o Haiti e a República Dominicana e depois esperar o dia certo para cruzarmos o ultimo cabo mais complicado da viagem. Contudo, de novo depois de 15 horas e falando apenas 40 MN para esse primeiro ponto de apoio o motor superaqueceu de novo. Junto veio o vento e a decisão foi optar por dar um bordo de 80 a 100 MN para o alto mar tentando ganhar em direção a Leste e depois voltarmos mais 80 a 100MN para pelo menos chegarmos no Porto, no Cabo Rojo. Em tese um ângulo mais do que suficiente mesmo com o vento vindo sempre do quadrante Leste/ Nordeste para ganharmos essas 40MN. Essa subida na nossa velocidade daria cerca de 48hs ou um pouco mais e a descida idem. Seriam mais uns 5 dias para vencer 40MN em linha reta em terra.

O primeiro dia estava bem calmo e avançamos sem maiores problemas. Cada um no seu turno e quando saía dava para relaxar, ler, fazer o que quisesse. Eu estava bem mais tranquilo. O fisiológico já adaptado, o coração mais tranquilo com as notícias boas de casa.

Foi um dia e uma noite assim. Já no segundo dia as coisas começaram a ficar sérias. As ondas de novo já atingiam seus patamares oceânicos, mais de 3 metros e os ventos já na casa dos 30 nós e aumentando. Não dava mais para cozinhar direito e as ondas vinham de tudo que era lado de novo.

Todos atentos e os turnos, apesar de serem cumpridos, era na base do 24hs x 24hs. Todos ajudavam todos.

A noite o vento rugia e dava para perceber que o mar estava ficando enorme. Cada vez maior e as pancadas voltaram com tudo.

De dia foi o maior mar que já vi na vida. O Comando estava no Leme e ondas realmente grandes marchavam e estouravam a todo instante. Era muito irado ver o Comando e o Pedro trabalhando nessas horas em tudo. Nos ajustes de vela, nas checagens infinitas dos pontos do barco. Eu tentava fazer meu melhor.

Perguntei para o Comando qual era o plano, ele rindo e de uma forma até engraçada responde: “Douglitos, hoje o plano é…. não ter planos. Faz o seu melhor!” A tranquilidade dele ali naquele turbilhão mostrava que a experiência traz o senso da calma.

Durante aquele dia ondas de 6 metros e ventos de 50 nós regeram nossa jornada! Velas completamente risadas de novo e a gente tendo que tentar orçar em um ângulo mínimo para tentar agora chegar pelo no menos no Cabo Rojo. O vento vinha exatamente de Nordeste, firmou nessa posição, a pior de todas para a gente.

Chegou a noite e para mim foi o momento mais difícil de toda a viagem. As ondas continuavam enormes e toda hora estourava uma na gente. O Namastê coitado, apanhava. Estava no turno que acabava meia noite. Estava apanhando como nunca tinha apanhado do mar. Em certas horas gritava aos céus para dar um tempo! Só um tempo! A gente ia ganhava velocidade e de repente uma onda inesperada quebrava na proa do barco.

Deixei meu turno e tentei dormir um pouco. Não conseguia. Cada onda o barco rangia. Estava com muito medo. Tudo de lado, barco completamente adernado e um acústico do vento passando na cabine aumentava todo aquele cenário. De repente a pancada mais forte que o barco sofreu de uma onda! Pummmmmm!!!! E o Namaste da um giro de 180 graus e faz um barulho Piiiiiiiiiiiiiiiii! Na hora eu e Pedro levantamos e saímos já chamando o Lu! Ele olha com a cara mais tranquila do mundo e diz: “ É rapaz… essa foi grande” e deu aquela risadinha. Aquele Piiiiiiiiii, na verdade foi a sagacidade dele de ligar o motor e já trazer o barco de volta para o rumo antes que as velas embolassem no back stay e a grande pudesse rascar.

Eu não consegui mais dormir. Pensei pela primeira vez em naufrágio. Comecei a perder o controle emocional. Diferente da primeira vez que senti algo nessa viagem, dessa vez era sim o medo de não voltar para casa.

Quando o Lu desceu eu olhei para ele e falei:

“Comando, tô com muito medo de morrer e não ver mais minha família!”

“Douglitos, medo de que?”

“Não queria externar essa palavra, mas de naufrágio.”

“Calma irmão, calma! Está tudo bem!”

“O que estou fazendo aqui Comando? Para que isso?”

“Essa reposta eu não posso te dar, fica calmo irmão, fica mais um turno aí, eu assumo no seu lugar.”

Isso talvez tenha sido a chave da virada para mim. Estou longe de ser um cara da vela, estou longe de ser um velejador oceânico. Entretanto o que não estou longe de ser é um cara com brio e com determinação, especialmente com meus irmão e amigos. E não ia deixar ninguém se sacrificar por mim. Todos nós estávamos na mesma, apanhando igual. A diferença é que eu nunca tinha entrado no “ringue com o oceano” tão forte.

Me lembrei da frase que o Lu deixou aqui na minha parede: “Quando tudo parecer que está dando errado, seja aquele que sai do plano físico e torne-se aquele ser humano que fará a diferença e deixará seu legado eternizado”.

Pensei também no que meu irmão João Luz me falou antes de eu sair de casa: Dai-me a missão” Lembrei dos meus amigos e ídolos Alemão de Maresias e Guido Serafini, dois dos mais cascas grossas do mar. Como eles lidam com o medo nas horas mais duras? E em questão de minutos vim trazendo minha mente para o controle de novo.

O Comando me olhou e disse. “Mas você está tremendo, está sem condições de assumir seu turno!”

Voltei ao meu controle e mostrei para ele minha mão completamente estável.

“Comando, não vou deixar nem você nem o Pedro trabalharam por mim enquanto eu tiver força para fazer meu trabalho. Estou assumindo meu posto de trabalho.”

Saí para render o Pedro e fora da cabine estava bem menos pior do que dentro dela. O vento soprava forte. Os 50 nós perduravam nas rajadas. Só que vendo e fora do acústico da cabine fica mais fácil de lidar.

Mais uma vez o Comando agiu com um líder comigo. Sem julgar meus medos, ele foi colocando as palavras certas e me fez vencer a mim mesmo. Como é bom ser aluno, pupilo de alguém como o Lucchi.

Conversei com Pedro e falei com ele: “Irmão, quase dei ruim”. Pedro com toda a calma dele me disse: “Esta tudo tranquilo Douglitos. Faz seu trabalho. Confio em você”.

Vimos a ilha de novo e tentávamos orçar, orçar e orçar. O vento e o mar não davam trégua. Era só ter 20 nós a menos de vento! Com 30 nós já seria mais fácil. Bastava o vento ter mudado 30 graus em seu ângulo!

Fomos fazendo nosso melhor como o Comando pediu. O porto de Cabo Rojo estava visível e agora era questão de horas para chegar até perto de terra e monitorar por umas 8 horas até o porto.

Chegamos perto de terra as 17hs e as ondas e o vento não melhoravam como era imaginado. A batimetria não mudava e isso fazia com que as ondas oceânicas perdurassem mesmo pertinho da ilha.

Não daria para chegar na vela no Cabo Rojo, o vento começou a empurrar o Nameste para traz. Que doidera. Avançamos 80MN para fora, voltamos 80MN e andamos apenas 20MN para frente durante 5 dias!

Ligamos o motor já com a certeza de uma boa noite de sono, comer bem.

Em 5 minutos o motor superaqueceu de novo! Em 5 minutos! Não dava para acreditar! O Comando e o Pedro fizeram de tudo para tentar reverter aquela situação e não dava para fazer nada.

A costa de aproximava e faltando 1 MN para um possível encalhe, a decisão foi de voltar para Illes Vache a 140Mn dali com o vento em popa. Que situação difícil, que tomada de decisão difícil, voltar tudo o que conquistamos! Ali se tornou a única opção. Estamos no Haiti, sem motor com vento duro contra e sem margem para erros. Arremeter vendo o destino final logo ali depois de tanta dureza que o mar nos fez passar fisicamente, e agora a dureza mental de ter que lidar de certa forma com a frustação de ter que voltar e não saber se ia dar para fecharmos o projeto.

Ali haviam vidas e nada, nada paga as nossas vidas. Vi mais uma vez PROFISSIONAIS do mar tomando decisões assertivas, não aventureiros em busca de fama e se achando invencíveis.

Se naquele dia, com aquele barco, e na vela apenas não conseguimos superar aquele vento e mar, com o Lu e o Pedro, na minha humilde opinião, ninguém seria capaz de tal proeza.

Foi a decisão mais dura para a gente. Alinhamos para o Oeste e fomos descendo o vento. Mesmo tão cansados fisicamente e agora mentalmente também era preciso seguir o destino que Deus colocou no nosso caminho. Os porquês das coisas que acontecem na nossa vida não têm como saber. Por que não avançamos? Por que o motor não pode funcionar naquele momento? Por que… Por que e Por que.

Tentamos dar muitas explicações para nos conformarmos. Ali tudo tem que estar perfeito, um motor quebrado no meio dos costões de pedra que teríamos pela frente poderia ser uma tragédia. Talvez tenha sido Deus nos poupando sem antes nos mostrar algo fundamental para todos nós: Independente de tudo, o Oceano em toda sua magnitude é o mais forte dos mais fortes. Mesmo para os mais capacitados como o Lucci e o Pedro, uma hora, até para eles, o Oceano diz não. E se eles sabem ouvir esse não e agir de acordo, fica uma grande lição para todos nós.

Durante essas vinte e poucas horas quase não falamos. Eu nunca tinha lemeado um veleiro a favor do vento e é uma situação perigosa porque o barco pode virar de lado, uma outra onda vir e capotar. Pedro me deu uma verdadeira aula nesses dias.

Pela primeira vez vi o Comando em um sono profundo no veleiro. Fico imaginando quantas coisas passaram pela sua cabeça. O nível de responsabilidade com a gente, mas também com o dono do barco que os contrataram. Ali ele ficou exausto e foi a minha vez de tentar alegrar ele e levantar o psicológico dele, o fazendo rir e mostrando que eu o admirava e o respeitava ainda mais pela sua decisão de não ir.

Navegamos apenas com a Genoa rizada. Tinha que ser certeiro o caminho para não precisar de motor até o ponto de ancoragem. As 19hs, no limite da luz conseguimos chegar em Illes Vache de novo.

Nunca passou em nossas cabeças ter que voltar para lá. Dessa vez já conhecíamos os amigos, a gente já sabia com quem contar.

Jogamos o ferro e finalmente podemos abrir uma cervejinha para engolir tudo aquilo que passamos.

Foi dureza mesmo. O nosso Tahoe aumentava a cada dia. Eu dia a dia ia aprendendo coisas novas, habilidades novas. Estava sendo um tremendo intensivo de vela.

Nosso foco era descobrir porque o motor estava aquecendo tão rápido e se tinha mais alguma avaria depois de tantas ondas e pancadaria.

Começara ali mais uma aula para mim. Impressionante como o Pedro o Comando são bons no que eles fazem. Com um arame e um fosforo eles constroem um foguete..rsrsrsrs. Pareciam os Macgyvers,.

Desmontamos o motor todo e alguns problemas sérios se apresentaram. A bomba d’água não funcionava tinha quebrado, e essa era a causa de ter funcionado por 15 horas nas duas vezes que precisamos, tanto na saída da Colombia quanto na saída anterior de Illes Vache, e aí uma hora ele pifa como foi.

Entre outros problemas que não dava para resolver ali na Illes Vache. O chain plate (onde os stays – Cabos que prendem o mastro no barco – são presos) recém trocado começara a apresentar fissuras e isso sim era muito sério. A ideia inicial seria esperar o melhor dia e sair para a Jamaica, mas sem motor e com a possibilidade da fissura aumentar e como consequência o mastro partir nas severas condições daquele lugar, não dava mais para seguir. Era preciso novas peças chegar logo ali, cuja logística era a mais difícil de todas. A temporada de furacão também se aproximava.

O Nameste sofreu tanto quanto a gente e precisava de reparos que não podíamos fazer sem os recursos necessários.

Quando se está nessa situação as tomadas de decisão têm que ser rápidas e precisas. Depois de 4 dias não dava para esperar mais e o Comando decidiu que era hora de guardar o barco ali mesmo com os meninos locais e irmos embora. Não daria para fazer mais nada.

Mais um aprendizado, de desmobilizar o Namaste. De certa forma foi tão duro quanto os mares que pegamos esses momentos. Tínhamos nos apegado aquele veleirinho tão marinheiro que nos conduziu. Cada coisa sendo desmontada, velas, estaiamentos, doghouse, dimini. E o Namaste ficando “pelado”. 

Sair do Haiti demanda uma logística grande e o Comando assumiu essa responsabilidade e nos levou novamente de forma segura para casa.

Saimos de Illes Vache em um barco local até a cidade mais próxima para pegarmos um avião até Porto Príncipe. Fiquei olhando para trás e vendo o Namaste sumindo, sumindo, sumindo.

Estava triste em deixar ele ali, foi o destino que Deus nos deu.

Uma das pernas para voltar para casa era o Aeroporto da Republica Dominicana, ao lado do porto que chegaríamos. Os olhos encheram de agua. O mar estava calmo como não ficou em nenhum dos dias que ficamos por aqueles mares. Foi duro passar por ali por cima e sonhar que era só mais uma ponta, só mais uma ponta para mudar o cenário e termos acesso a o que precisávamos para arrumar o Namaste. E os por quês novamente vieram.

O Comando conseguiu um voo via Miami, eu e Pedro via Colômbia. Por coincidência chegaria quase no mesmo tempo no Brasil. Nos encontramos, tomamos um café no aeroporto e depois de quase um mês cheguei em casa.

Foi uma experiência única, poder viver tão intensamente o Oceano era algo que eu precisava dentro de mim.

Viver o Oceano de uma forma tão profissional era algo que eu precisava viver.

Sair da zona de conforto e de um título de capitão no papel para começar a se tornar capitão real era algo que o Comando se propôs por algum motivo a me mostrar. Conversamos sobre isso, o porquê dele ter escolhido o Douglitos. Existem as respostas, contudo essas ficarão para sempre entre mim, o Lu e o Pedro.

O que existiu ali foi uma conexão entre pessoas com personalidades completamente diferentes: Pedro, a tranquilidade e racional, o Lu, um misto de emoção e razão, eu a emoção.

O que existiu ali foi uma conexão de pessoas com valores iguais e de almas irmãs.

E isso tudo fez com que no final, depois de tanta dificuldade, acabarmos realmente mais amigos do que começamos.

Fiz dois irmãos novos, dois inicialmente mestres apenas, agora mestres e irmãos da vida.

Acabo essa aventura mais humilde, com mais medo do mar, e ao mesmo tempo com mais vontade de viver tudo de novo e certo de que amo o mar, e passei a acreditar ainda mais em Deus e na minha espiritualidade.

Obrigado do fundo do coração Pedro e Luciano. Nunca aprendi tanto em tão pouco tempo do que foi com vocês. Sempre que precisarem, o tripula aqui está a postos para onde for com vocês!

Alex Araujo
Alex Araujo
Alex Araújo é um dos pioneiros em criação de conteúdos esportivos na internet. Atua neste mercado desde 1996 como editor de renomados sites como CAMERASURF, SURF-REPORTER e nas revistas PARAFINA MAG e SUP MAG, e já colaborou com artigos nas Revistas Fluir, Inside,Hardcore e no Jornal Drop.
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