A canoa polinésia ganhou um grande espaço em todo litoral brasileiro. É certo que o povo polinésio tem uma grande bagagem e uma tradição incontestável quando o assunto é navegação e expedições marítimas. Mas no nosso Brasil, também temos uma cultura muito forte em embarcações e navegação, e isso é pouco conhecido devido a fraca cultura de oceano que tínhamos em nosso país, digo tínhamos porque muitas pessoas hoje devido ao convívio com a canoa polinésia, vem se aprofundando e buscando conhecimento sobre a cultura marítima do nosso país, abaixo segue alguns exemplos de canoas e embarcações que fizeram e fazem histórias em águas tupiniquins.
Embarcações típicas
O Brasil tem um dos mais ricos acervos de embarcações típicas ainda em atividade. Um bem cultural que a vasta maioria das pessoas sequer sabe da existência; mas que existem, navegam, e foram valorizadas pelo IPHAN que as transformou em bens culturais de um País que mal conhece sua história.
O órgão não só tombou algumas embarcações, como lançou o Projeto Barcos do Brasil em 2008, com o objetivo de conscientizar o público, preservar e conservar o Patrimônio Naval brasileiro.
Para situar o leitor, trata-se de notável acervo de embarcações ainda em uso como os saveiros na Bahia (restam entre 12 ou 13), as jangadas em boa parte do Nordeste (hoje feitas de tábuas, porque o pau de piúba originalmente usado acabou, sumiu do Nordeste por mau uso); ou os muitos modelos diferentes que navegam no litoral do Maranhão, o Estado com a maior quantidade de tipos em atividade.
Nas regiões Sudeste e Sul o que sobrou deste acervo são as canoas, em seus variados e múltiplos modelos.
Há as canoas de um só pau, em São Paulo, e Rio de Janeiro, herança da tradição indígena; as canoas de voga de Ilhabela; ou as canoas bordadas com suas proas lançadas, de Santa Catarina; no Espírito Santo, em Anchieta, fundada pelo Apóstolo do Brasil, há um tipo único, com proa arredondada; e no Rio Grande, ainda existe uma canoa de pranchão, um modelo com mais de cem anos devidamente tombado pelo IPHAN.
O IPHAN e as embarcações típicas
Por ser dramático, envolvendo a ‘extinção’ de um bem cultural de valor, vale esclarecer ao leigo, mas interessado, que por trás da decisão de ‘credenciá-las’ como bens culturais, repousa uma sugestão de técnicos, e da academia; e chancela pelo Estado já que o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – órgão Federal criado em 1937 e vinculado ao Ministério do Turismo, tem como função a ‘preservação e divulgação do patrimônio material e imaterial do país’.
A mais bela e rica canoa do País
Mas a mais bela e rica canoa do País, é a derradeira canoa de tolda que foi achada imprestável, pelo incansável Carlos Eduardo que fundou a ONG Sociedade Canoa de Tolda para comprá-la, restaurá-la, e mantê-la em atividade. Luzitânia foi restaurada por mestre Nivaldo. Em 2010, Dalmo Vieira Filho, em nome do IPHAN reconheceu os méritos, e tombou a Luzitânia.
Canoa de carga
De acordo com o site canoa de tolda.org, ela é uma canoa de carga tradicional do São Francisco, ‘com capacidade de 200 sacos (cada saco corresponde ao padrão de peso de 60 kg)’, e é ‘das mais antigas ainda hoje navegando no Baixo São Francisco. Os registros orais de sua construção remontam aos anos 20’.
O cangaceiro Lampião navegou na Luzitânia
Além de tudo, tem uma pitoresca história. Segundo o projeto, ‘foi utilizada por Lampião e seus cabras (veja o depoimento de Tonho da Ilha do Ferro, no documentário De Barra a Barra), isso já nos anos 30, quando da fase sedentária do cangaceiro estabelecido no Baixo São Francisco. Em seguida veio uma série de proprietários, e a canoa foi engajada no transporte de carga geral como queijo, leite, querosene e gasolina, entre o sertão e a região de Penedo’.
Preservar a cultura e história do Baixo São Francisco
Como apregoa o site do projeto, ‘A manutenção da canoa de tolda Luzitânia ativa, além de preservar elemento afetivo da população das margens, também contribui para a preservação da cultura e história do Baixo São Francisco, com suas ramificações aos trechos médio e submédio do rio’.
Como todos os outros barcos típicos, a canoa de tolda do São Francisco, depois da conquista do Nordeste pelos holandeses a partir de 1630, ganhou duas bolinas, uma de cada lado do casco, um avanço na arte da navegação que devemos ao gênio holandês, um dos povos que se destacaram na arte da navegação e construção naval entre os séculos 16 e 17.
Assim são as embarcações típicas. Se fossem doutrinas religiosas, diríamos sincretismo; como são embarcações, preferimos diversidade, fruto da mistura dos saberes indígenas, com o dos negros africanos, e uma pitada dos melhores marinheiros europeus à época da descoberta; portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, e ingleses, todos nos visitavam frequentemente.
Ora fundeavam na Baía de Guanabara, como Fernão de Magalhães no século 16; ora em Salvador, Bahia, a primeira capital, como fez Darwin três séculos depois.
Com estas visitas, os carpinteiros navais que já eram os melhores ao viabilizarem a Carreira das Índias, aprenderam ainda mais. Provaram talento adaptando as soluções às embarcações que então usavam. Eram profissionais especializados que se espalhavam entre Salvador, Belém, e Rio de Janeiro, os portos mais importantes do período colonial.
Numa destas visitas por exemplo, adaptaram a bolina lateral (espécie de quilha que proporciona mais estabilidade) de um navio holandês na canoa de tolda; na noutra, adotaram a ‘armação em cutter’ (sistema de velas) dos navios ingleses, muito simples e eficiente, que foi o escolhido para as canoas costeiras do Maranhão. Quando, não se sabe? Mas, pelo menos, desde que a memória dos mais velhos nos conta a história, depois recontada por nós, e assim por diante.
Como, da miscigenação de raças, saiu um povo diferente, único, e talentoso; da mesma forma ‘explodiu’ a variedade ímpar das embarcações de Pindorama. Simples assim. Mas raro assim.
SOS Luzitânia
A Chesf – Companhia Hidrelétrica do São Francisco – aumentou a vazão São Francisco no momento em que a canoa estava aberta para reparos. Ela não aguentou e foi alagada. Agora, por falta de verba, e excesso de burocracia, esta maravilha naval está ameaçada de desaparecer. Desde que foi alagada, Carlos Eduardo luta para conseguir tirá-la d’água e repará-la.
Ele tem falado quase diariamente com o IPHAN pedindo verbas, mas nada até agora. A canoa precisa apenas ser puxada para terra firme. Mas isto custa, e os órgãos competentes agem, como se sabe, a passos de cágado.
A canoa de tolda Luzitânia, apesar de coberta, repousa numa margem do Baixo São Francisco alagada. É preciso investimentos. Mas vale a pena, ela é ‘a’ joia do acervo naval tradicional. A única que restou. Não custa lembrar, extinção é para sempre.
Nota do editor:
Não desprezando a história de outros povos, mas acho muito importante a gente aprender de onde viemos para saber até onde podemos chegar!! Brasil tem muita cultura que são esquecidas e ignoradas por seu próprio povo. É muito importante o resgate desta história, seja por conhecimento e valorização da nossa jornada no mundo aquático.
Fonte: Mar sem Fim
Imagem de Abertura: Nilton Santos